Somos ABEPS – Daniela Coelho atua para romper o silêncio e qualificar o cuidado em suicidologia no Cariri

Nascida em Crato (CE), no interior do Ceará, a entrevistada do Somos ABEPS do mês de dezembro é a segunda de quatro filhas de uma família cearense raiz. A cidade fica no Cariri, região geográfica composta por nove municípios, entre eles: Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha, região marcada por forte identidade cultural e tradições religiosas.

Se, em tupi, kiriri significa “silencioso”, é exatamente a quebra do silêncio e do tabu sobre o suicídio que Daniela Coelho (@institutodesuicidologia_cariri), 50 anos, vem buscando com o seu trabalho.

“A região do Cariri é muito rica em educação superior; é uma potência. Temos seis universidades que ofertam o curso de Psicologia. Mesmo assim, devido às lacunas de conteúdos relacionados a prevenção e posvenção do suicídio na graduação em Psicologia e outras áreas da saúde, vejo que aqui há muita demanda e precisamos de mais colegas para trabalhar com a suicidologia”, conta.

A morte do pai por suicídio, em 2002, fez a então estudante de Geografia abandonar o sonho de ser professora. “Pela falta de informação e de conhecimento científico sobre o tema, foi um luto muito desorientado, sem apoio e atravessado por todos os preconceitos, tabus e estigmas que a sociedade ainda hoje, infelizmente, apresenta”, diz.

Daniela será uma das palestrantes do VI Congresso Brasileiro de Prevenção do Suicídio, de 5 a 8 de agosto de 2026, em Petrópolis (RJ).

Ao compartilhar trajetórias, experiências profissionais e projetos desenvolvidos em diversas regiões do país, a ABEPS busca fortalecer vínculos internos e reconhecer o papel de cada associado na promoção do cuidado, da pesquisa e da prevenção do suicídio.

Confira abaixo a entrevista!

ABEPS – A Psicologia nunca foi o seu sonho profissional?

Daniela – Eu não queria ser psicóloga, eu não queria ser suicidologista. Eu queria ser professora de Geografia ou de outra área, porque eu não queria ter perdido o meu pai, né?

Mas a vida me fez uma pergunta: “E aí, o que vai ser agora? O que você vai fazer disso?” Demorei um bom tempo para entender. Foram anos de um luto sem autocuidado, sem buscar conhecimento ou compreensão. Mas, em 2008, Daniela tatuou uma borboleta no ombro, porque havia algo acontecendo dentro dela.

Comecei a estudar Psicologia com aquele romantismo de “se eu não pude salvar o meu pai, vou salvar outras pessoas”. Mas eu mal sabia que, ao escolher a Psicologia, eu estava tentando salvar a mim mesma. Eu era uma sobrevivente de uma dor extrema e precisava fazer algo com isso.

Hoje eu digo: eu não queria ser psicóloga, mas sou grata por ser psicóloga. É a forma que encontrei de afirmar que a morte do meu pai não foi em vão. Estou fazendo algo disso por mim, por ele e, consequentemente, por outras pessoas que cruzem o meu caminho.

Durante a graduação, você encontrou as respostas que buscava?

O que me levou a me tornar psicóloga foi justamente a falta de informação, que infelizmente ainda existe. Nesse caminho, descobri que muitas perguntas não teriam respostas.

E, infelizmente, também não encontrei na graduação os conteúdos em suicidologia que eu tanto buscava. Ainda hoje existe material sobre o tema, mas muito superficial, e não com a profundidade e urgência que o assunto exige, já que o suicídio é um problema de saúde pública mundial.

Comecei a entender que existiam outras pessoas como eu, enlutadas, que buscavam as mesmas informações e entendimentos que eu buscava, porque eu já estava cansada de culpar o meu pai e de me culpar.

Busquei a especialização pela necessidade de ampliar o conhecimento. Muitos colegas chegam ao mercado de trabalho sem esse preparo para acolher com ética, sem julgamento, com respeito à dor trazida pela pessoa, e sem saber manejar esse tipo de luto ou cuidar de uma pessoa com o comportamento suicida.

Atualmente, estou concluindo a especialização em intervenção na autolesão, prevenção e posvenção pelo Instituto Vita Alere.

Como é a atuação do Instituto de Suicidologia do Cariri?

O Nordeste não é a região com as maiores taxas de suicídio, mas é onde há maior crescimento delas. E, na região do Cariri, também há aumento.

O Instituto tem como foco principal capacitar, ensinar e oferecer letramento em suicidologia para diversas áreas e, principalmente, para colegas psicólogos.

Recentemente concluí uma formação em avaliação e manejo de crise suicida, e foi uma experiência muito especial. Ouvi desses colegas o quanto precisavam dessas informações e o quanto hoje se sentem mais seguros para atuar.

Mensalmente ofertamos o Grupo de Apoio Sobre Viver – Apoio ao luto por suicídio.  Oferecemos formações para alunos de outras áreas da saúde e pretendemos capacitar profissionais da mídia da região. Além disso, fazemos parte do desenvolvimento de políticas públicas de prevenção do suicídio no Cariri, compondo o grupo de trabalho para implementação do programa Vidas Preservadas do Ministério Público do Ceará no município de Crato, para fortalecer o Cariri, já que Juazeiro do Norte e Barbalha já fazem parte do programa.

Como você conheceu a Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio (ABEPS)?

Durante a graduação, na minha busca incessante por informações, encontrei o site da ABEPS e tive acesso a fontes muito responsáveis e seguras.

Em 2020, participei da terceira edição do Congresso e, em 2024, da quinta edição, em Brasília (DF). Foi incrível ver a qualidade do conhecimento científico, com grandes profissionais transmitindo informações tão necessárias e urgentes.

É maravilhoso estar perto de tantos nomes que eu já admirava, lia e estudava. Hoje, fazer parte como associada é uma honra. Fui convidada para palestrar na próxima edição, em Petrópolis (RJ), e estou muito feliz em contribuir com as ações da ABEPS.

O que mudou na sua atuação profissional desde que você se tornou associada da ABEPS?

A partir do momento em que me tornei associada, houve uma mudança enorme: um fortalecimento, um aprofundamento. Estar em contato com profissionais que pesquisam e compartilham esses estudos tem sido essencial para minha prática.

Às vezes, as pessoas se associam pensando apenas nos descontos em eventos, mas é muito mais que isso. Participar de reuniões científicas, grupos de estudo e tantas outras atividades que a ABEPS oferece é uma riqueza e amplia muito nosso conhecimento sobre o tema.

Você transformou sua dor em ação. O que deseja deixar como contribuição para as pessoas que vivem no Cariri?

A minha expectativa, como Daniela Coelho, psicóloga e fundadora do Instituto de Suicidologia do Cariri, é contribuir para que cada vez menos pessoas e famílias sofram com o fenômeno do suicídio.

Em 2002, quando perdi meu pai, eu não tinha nenhuma das informações que tenho hoje. E hoje me coloco como uma prova de que informação segura e científica orienta e nos ajuda a caminhar em um solo mais firme, na vida pessoal e na profissional.

Como psicóloga, tenho uma missão, sabendo dos limites. Sempre escuto meus professores dizendo: “Trabalhamos a nível de prevenção, não de previsão”. Eu sei que posso perder um paciente; tenho essa consciência. Mas, quanto mais eu puder oferecer do que aprendi, mais encontro sentido em tudo que vivi,  na morte do meu pai, no sofrimento do luto, e converto essa experiência em orientação e conhecimento para outras pessoas.

Talvez eu não consiga ajudar 100% a todos, porque existem limites, mas o que eu conseguir já terá valido a pena.

Você será uma das palestrantes do VI Congresso Brasileiro de Prevenção do Suicídio, em 2026. O que os participantes podem esperar desse encontro?

Quando recebi o convite, pensei bastante sobre o que trazer dentro da temática da posvenção, que me foi solicitada.

Será algo direcionado ao olhar de uma psicóloga enlutada por suicídio que trabalha com posvenção: como é a minha prática, como ofereço algo a partir da minha experiência pessoal, não apenas das teorias e técnicas. Basicamente, esse será o foco principal da minha participação e eu convido todos vocês a participarem desse evento. Venha junto fortalecer a suicidologia no Brasil!

Conheça o Instituto de Suicidologia do Cariri:

Site: suicidologiacariri.com.br

Instagram: @institutodesuicidologia_cariri

Assessoria de Comunicação da ABEPS

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