A Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio (ABEPS), comprometida com a promoção da saúde mental e com o fortalecimento de práticas éticas, críticas e baseadas em evidências, vem a público apresentar suas considerações sobre as campanhas de conscientização voltadas à prevenção do suicídio, com especial atenção ao contexto do Setembro Amarelo.
O dia 10 de setembro é reconhecido internacionalmente como o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio. A Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio (IASP) recomenda que essa data seja marcada por ações significativas, como o lançamento de políticas públicas, publicações em redes sociais, editoriais, entrevistas com especialistas e outras iniciativas que promovam narrativas de cuidado, resiliência e valorização da vida.
No Brasil, desde 2014, o mês de setembro tem sido palco de diversas ações educativas e comunicacionais com o objetivo de sensibilizar a sociedade sobre o suicídio. No entanto, estudos recentes e análises epidemiológicas indicam que, quando essas campanhas não são planejadas com rigor técnico e ético, podem gerar efeitos adversos — incluindo o aumento de notificações e comportamentos suicidas.
É amplamente reconhecido que comunicações inadequadas sobre o tema estão associadas ao aumento de casos, fenômeno conhecido como Efeito Werther ou efeito de contágio. Em contrapartida, o Efeito Papageno demonstra que abordagens responsáveis, que promovem esperança, acolhimento e caminhos reais de ajuda, podem reduzir o risco de suicídio e fortalecer estratégias de prevenção.
Diante disso, a ABEPS apresenta, por meio desta nota, considerações e recomendações para a condução ética e eficaz de campanhas de conscientização, especialmente aquelas vinculadas ao Setembro Amarelo.
Considerações
A comunicação sobre o suicídio deve ser cuidadosa, responsável e baseada em evidências, evitando sensacionalismo, exposição indevida de indivíduos e divulgação de métodos, cartas de despedida, imagens ou vídeos de situações de risco ou casos reais.
É essencial compreender os efeitos das mensagens veiculadas — seja por mídias tradicionais, redes sociais ou outros meios — e garantir que elas promovam acolhimento, esperança e acesso a serviços de ajuda qualificados.
Ações pontuais e festivas, como uso de balões, slogans genéricos, mensagens motivacionais evasivas ou atividades superficiais, não substituem políticas públicas estruturadas e podem ser mal interpretadas por pessoas enlutadas ou em sofrimento, gerando silenciamento de indivíduos em risco, bem como sentimento de culpa e inadequação.
Deve-se levar em consideração as legislações vigentes relacionadas ao tema, como o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei nº 14.811/2024.
As campanhas devem ser contextualizadas e adaptadas aos públicos envolvidos — especialmente adolescentes, pessoas enlutadas por suicídio e populações marginalizadas — evitando abordagens que possam gerar culpa, estigma ou retraumatização.
Recomendações
Qualificação Técnica: As ações devem ser planejadas e executadas por profissionais capacitados, com conhecimento técnico e sensibilidade ética.
Proteção e Cuidado: Evitar situações que possam expor ou constranger indivíduos, especialmente aqueles em sofrimento psíquico.
Planejamento Intersetorial: As estratégias de prevenção devem integrar os setores da saúde, educação, assistência social, comunicação e segurança pública, promovendo redes de apoio efetivas.
Formação e Capacitação: Garantir capacitação permanente para profissionais envolvidos, com foco em escuta qualificada, avaliação de risco, manejo de crises e encaminhamentos adequados.
Ações Sustentadas: A prevenção ao suicídio deve ser contínua, ultrapassando o mês de setembro, com foco na valorização da vida, na equidade e na promoção da saúde mental.
Produção de Conhecimento: Incentivar pesquisas, avaliações de impacto e produção de dados confiáveis para aprimorar as estratégias adotadas.
Participação Comunitária: Promover escuta ativa e protagonismo de pessoas com experiência vivida, familiares, estudantes, líderes comunitários e religiosos e profissionais de diversas áreas relacionadas ao tema, promovendo protagonismo e inclusão.
Conclusão
A ABEPS reafirma seu compromisso com uma abordagem ética, crítica e transformadora da prevenção do suicídio. Defendemos que o Setembro Amarelo seja um marco de reflexão e cuidado continuado, não apenas um momento de visibilidade e publicidade. Que as campanhas sejam instrumentos de acolhimento e não de exposição. Que a vida seja valorizada com dignidade, escuta e políticas públicas efetivas.
Brasília, 1º de setembro de 2025
Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio (ABEPS)
Referências:
INTERNATIONAL ASSOCIATION FOR SUICIDE PREVENTION. World Suicide Prevention Day 2025- Changing the Narrative on Suicide. Disponível em: https://www.iasp.info/wspd/ Acesso em 01 set. 225.
ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. Prevenção do suicídio: um manual para profissionais da mídia. Atualização de 2023. Brasília,DF.; 2025. Disponível em: https://doi.org/10.37774/9789275729984.
ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. Viver a vida. Guia de implementação para a prevenção do suicídio nos países. Brasília, DF.; 2024. Disponível em: https://doi.org/10.37774/9789275724248.
SECRETARIA DE ESTADO DE SAÚDE DO DISTRITO FEDERAL. Nota Técnica nº 5/2020 – SES-SAIS-COASIS-DISSAM-GENASAM: orientações sobre o planejamento de atividades relacionadas à prevenção do suicídio. Brasília: SES-DF, 2020.
WORLD HEALTH ORGANIZATION. (2014). Preventing suicide: a global imperative. World Health Organization. 2014. Disponível em: https://iris.who.int/handle/10665/131056