Somos ABEPS – Terezinha Maximo e a escrita como expressão do “maior amor do mundo”

Na edição de novembro do Somos ABEPS, conversamos com Terezinha Maximo (@terezinhamaximo), 53 anos, mãe enlutada e presidente da Associação Brasileira de Apoio aos Sobreviventes Enlutados por Suicídio (ABRASES). Neste mês, a associação celebra três anos de atuação.

Ao compartilhar trajetórias, experiências profissionais e projetos desenvolvidos em diversas regiões do país, a ABEPS busca fortalecer vínculos internos e reconhecer o papel de cada associado na promoção do cuidado, da pesquisa e da prevenção do suicídio.

Mineira de Guaraciaba (MG), uma pequena cidade da zona da mata mineira, Terezinha foi cedo para o estado de São Paulo, pois os pais buscavam melhores oportunidades de trabalho. Na época, ela tinha apenas quatro anos.

“Eu até falo que preciso pisar no chão onde eu nasci, né? Tive uma parte da minha vida no interior de Minas, então às vezes eu preciso desse contato — tanto o laço familiar, que ainda existe, quanto o contato com o ambiente. Acho que isso influencia um pouco na vida da gente”, conta.

Foi em São Bernardo do Campo (SP) que Terezinha construiu sua vida, formou família e atua profissionalmente como corretora de seguros. Casada com Joseval, seu amigo desde o tempo de colégio, é mãe de Edgar (34) e de Marina (28), falecida em 2017.

A dor despertou em Terezinha um propósito: transformar a própria experiência de luto em ação coletiva. Formada em Ciências Sociais e atualmente cursando pós-graduação em Antropologia, ela se dedica a fortalecer os espaços de apoio para pessoas enlutadas por suicídio.

Confira a íntegra da entrevista!

Qual a maior dificuldade que você enfrentou na busca de apoio para a Marina?

O suicídio era algo que eu sabia que existia, porém era muito distante da minha casa. Todas as pessoas que eu conhecia e que haviam morrido por suicídio eram pessoas com problemas relacionados ao álcool ou às drogas. Eu não fazia a ligação de que o suicídio poderia ter relação com transtornos mentais. Para mim, era algo muito distante.

A maior dificuldade que nós tivemos foi não saber lidar com a pessoa em crise e também não encontrar profissionais que soubessem lidar. Procuramos ajuda em todos os lugares, mas só encontramos profissionais que sabiam quase nada sobre o assunto.

Como os grupos de apoio ajudaram você nesse processo?

Após a morte da Marina, eu fiquei totalmente sem chão, sem saber que caminho seguir. Procurei pessoas que haviam passado pelo mesmo e encontrei grupos de apoio onde me senti muito acolhida e compreendida. Também busquei estudar, me informar bastante, via filmes, livros, tudo o que tratasse da temática. Procurei ajuda em todo lugar que você puder imaginar.

O grupo de apoio foi o que mais me ajudou, sabe? Tem a terapia também, mas essa troca com outras pessoas era o que mais me fortalecia. E teve a escrita, que usei como uma válvula de escape. Montamos um blog no ano em que a Marina faleceu, em 2017, para contar sobre o nosso luto.

Por que você decidiu começar a escrever?

A Marina não faleceu de imediato; ela ficou hospitalizada, e aconteceram alguns fatos no hospital que eu acreditava terem agravado a situação. O advogado orientou que eu escrevesse tudo o que lembrasse dos dias em que fiquei com ela. Espalhei papel pela casa toda, porque, quando você está em luto, é um choque e você esquece muita coisa. Quando lembrava de algo, eu escrevia. E, ao colocar no papel, sentia um alívio por estar colocando aquilo para fora. Durante o luto por suicídio, as pessoas se afastam. Quando alguém perguntava “como você está?”, eu começava a falar e percebia que isso afastava as pessoas. No papel, eu conseguia me expressar e me sentia bem. Fui percebendo que aquilo era uma forma de aliviar a dor. Então, eu escrevia e chorava…

Um desses textos inclusive ganhou um concurso literário e inspirou a criação de um blog?

A Marina faleceu em março de 2017. Em setembro, inscrevi um dos textos em um concurso literário durante um simpósio do Instituto Vita Alere. O título era “O maior amor do mundo”. As pessoas costumam dizer que a maior dor do mundo é perder um filho e que, se for por suicídio, é maior ainda. Eu não concordo muito com essa ideia. Acho que dor é dor. Mas eu não queria falar da dor, queria falar do amor: do amor que a Marina proporcionou e do amor de uma mãe por um filho.

O texto foi escolhido para integrar o primeiro livro com histórias de sobreviventes do suicídio. Aquilo me deu um ânimo, porque até então o máximo que eu fazia era ler para o Joseval; eu não tinha intenção de tornar público. No simpósio, conheci uma família de Fortaleza e o instituto que eles criaram. Achei a história linda e falei para o meu marido: “Nós não temos como ter um instituto, mas podemos ter um blog!”.

Você imaginava que os textos publicados no blog também ajudariam outras pessoas a se fortalecerem nos momentos difíceis?

Não fazíamos ideia da proporção que o blog tomaria, nem de quantas pessoas seriam beneficiadas. A intenção era ser um diário virtual meu e mostrar ao enlutado que ele não estava sozinho, que havia outras pessoas passando pelo mesmo. Pessoas com ideação suicida também leram o blog e me mandaram mensagens dizendo: “Eu te agradeço, porque não quero que meus pais passem por isso. Vou me cuidar.” Também recebi relatos de profissionais dizendo: “Conheci o seu trabalho através de um paciente que leu a sua história e quis cuidar melhor de si para que não acontecesse o mesmo.”

Isso nos deu fôlego para continuar. A Marina deixou no perfil do WhatsApp a frase “Si us plau, no m’oblidis”, que, em catalão, significa “por favor, não me esqueça”. O blog se chama No m’oblidis — uma forma de conectar pessoas e mostrar que ninguém está sozinho.

Como surgiu a Associação Brasileira de Apoio aos Sobreviventes Enlutados por Suicídio (ABRASES)?

O blog nos conectou com pessoas de vários lugares e, em 2018, surgiu a ideia de montar um grupo de apoio também aqui em São Bernardo. Em 2020, participamos do encontro de sobreviventes enlutados durante o Congresso da ABEPS. Conversamos muito sobre as dificuldades enfrentadas e conhecemos outros grupos, institutos e projetos familiares. Até que surgiu o questionamento: “Por que vocês não se juntam e criam uma associação para ter voz?”. Poucos anos depois, esse assunto retornou com mais maturidade e, em novembro de 2022, nasceu oficialmente a ABRASES, que hoje leva informação e acolhimento para amenizar a dor da perda de alguém por suicídio.

Qualquer pessoa pode se associar à ABRASES?

Sim, qualquer pessoa que se identifique com a causa pode se associar. A ABRASES tem associados espalhados por todo o Brasil. A maioria são sobreviventes enlutados, mas também há profissionais, inclusive alguns que vivenciaram o luto, estudaram, se formaram e hoje atuam na prevenção e posvenção do suicídio. A ABRASES leva informação sobre como é a vida do sobrevivente enlutado, como é esse luto e como atravessá-lo. Mostra que é possível buscar acolhimento e apoio.

Como surgiu sua relação com a Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio (ABEPS)?

Eu acompanhava algumas coisas no site, mas conheci de fato a partir de 2020, com nossa participação no Congresso da ABEPS. Eu sempre digo que aquele evento rendeu muita coisa! É uma relação de troca, de muito respeito e de abertura de espaços para o sobrevivente enlutado falar, para ser ouvido pelos profissionais que estudam o tema, o que considero muito importante. Os profissionais que fazem parte da ABEPS realmente querem escutar o sobrevivente e compreender o que ele tem a dizer, contribuindo com a prevenção. Nós temos muito a oferecer a partir da nossa vivência e do que aconteceu conosco.

Na sua opinião, a ABEPS contribui para que os profissionais se capacitem e saibam lidar melhor com o suicídio?

Sim, faz toda a diferença. A ABEPS é formada por pessoas que realmente se debruçam sobre o assunto, que estudam, acompanham o que está sendo feito lá fora e refletem sobre o que pode ser aplicado no Brasil: políticas públicas, fatores de risco, estratégias de prevenção.

Eu aconselho, não só as pessoas que buscam atendimento a procurarem profissionais atualizados, mas também os profissionais que desejam se especializar: que participem de congressos, pesquisas e estudos. Isso é importante não apenas para o currículo, mas para o conteúdo que o profissional adquire e que fará diferença no cuidado com quem o procura.

O que representa o Dia Internacional dos Sobreviventes Enlutados por Suicídio?

É uma data internacional que segue o calendário dos Estados Unidos, celebrada no sábado anterior ao Dia de Ação de Graças, quando as famílias se reúnem. Momento em que a presença da ausência se faz mais forte. Este ano será no sábado, 22 de novembro.

É importante porque dá a outros enlutados a oportunidade de ver como pessoas com mais tempo de luto estão lidando, quais caminhos encontraram para atravessar o processo. Mostramos que somos pessoas comuns, como qualquer outra. Infelizmente, o suicídio está aí, mais comum do que se imagina. É uma forma de mostrar que, embora a falta seja imensa e sem conserto, seguimos a vida da melhor forma possível. No dia 22, às 16h, a ABRASES fará um encontro online e lançará a segunda edição da exposição “Fragmentos”.

Que mensagem você deixa para as pessoas em sofrimento e para as famílias?

Pode parecer clichê, mas é importante não se deixar levar pelo desespero. No momento de desespero, podemos ter ações que não têm mais volta. Penso muito nisso, porque a Marina chegou a sair do coma e nós conversamos. Mesmo assim, a morte aconteceu. Acredito que, quando a pessoa está em muito desespero, pode tomar atitudes irreversíveis. Na época em que aconteceu conosco, não tivemos a oportunidade de contar com pessoas que nos acolhessem ou ajudassem a lidar com o sofrimento dela e com o nosso. Hoje já existem grupos de apoio e profissionais que fazem esse trabalho muito bem. No site da ABRASES temos indicações de grupos que ajudam quem está passando por sofrimento, tanto a pessoa que pensa em morrer quanto a família que lida com essa dor. Em nosso site há essas orientações. Busquem ajuda!

Ao longo da entrevista, você sempre se refere ao Joseval; inclusive foi ele quem ajustou a câmera antes de começarmos a gravação. A família é um pilar fundamental para dar sustentação a uma mãe enlutada?

Estamos juntos desde os meus 16 anos. Estudávamos na mesma escola; ele era amigo do meu irmão e também meu amigo. Foi uma amizade que virou namoro, que virou casamento. Uma parceria muito forte, realmente. Apesar de ele estar sempre nos bastidores, ele está comigo em tudo. Se tem um texto no blog, fui eu quem escreveu, mas foi ele quem colocou no ar. Se há uma live, eu estou na frente da câmera, mas ele está lá atrás, monitorando e cuidando de tudo. Sempre nós dois, nossos projetos são sempre em conjunto.

Conheça o blog: No M’oblidis

Acompanhe a ABRASES no Instagram: @abrases_br

Site: https://abrases.org.br/

Assessoria de Comunicação da ABEPS

WhatsApp
Facebook
LinkedIn
Twitter
Telegram
Comentários